quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mais do que dar dinheiro a pobres, é preciso educar, afirma Heckman

O GLOBO – 20.12.09

Autor(es): Agencia O Globo


Para o americano James Heckman, de 65 anos, prêmio Nobel de Economia de 2000, é preciso fazer mais do que mandar crianças para a escola a partir dos 6 anos de idade. Segundo ele, enquanto não se der maior atenção à primeira infância — de zero a 3 anos —, em especial nas famílias carentes, as desigualdades socioeconômicas continuarão se perpetuando.

Em visita ao Rio semana passada, ele explicou a sua tese ao GLOBO.

José Meirelles Passos O GLOBO: De acordo com as suas pesquisas, o nível de renda de uma pessoa, o seu êxito no trabalho, e até mesmo a possibilidade de que venha a cometer um crime estão associados à educação que ela teve logo na primeira infância e aos estímulos recebidos — ou não — de seus pais. Ou seja, quem não teve bons pais está condenado ao fracasso?

JAMES HECKMAN: Sim e não. Sim, no caso de não ter tido, a tempo, algum tipo de ajuda externa que possa remediar a situação. E não, se foi beneficiado com um auxílio desse tipo com base num programa bem estruturado.

O GLOBO: O senhor se refere a algum programa público?

HECKMAN: Pode ser privado. Mas eu acho que tal responsabilidade cabe, primeiramente, ao governo. Todo cidadão tem direito à saúde e à educação. Mas, no geral, o Estado acha que basta cuidar das pessoas a partir dos 6 ou 7 anos, colocando-as na escola. Sabemos cientificamente que deve-se dar atenção a elas com maior ênfase antes dos 3 anos de idade. E, de preferência, desde a sua concepção.

O GLOBO: Isso, então, implicaria cuidar também da saúde das mães...

HECKMAN: Exatamente. E em especial de sua nutrição. E depois, quando nasce o bebê, oferecer à família um programa que ensine os pais a serem pais de verdade. Que aprendam a estimular as crianças, lendo para elas, expondo-as à música, aos jogos, participando de brincadeiras, de atividades lúdicas.
O GLOBO: Isso quer dizer que o ideal é criar um programa específico para os pais?

HECKMAN: Para os pais e para as crianças. Ensinar aos adultos a serem pais melhores, e dar às crianças condições de adquirirem a vantagem que as demais, de famílias mais bem educadas, já têm de nascença. Pois é isso que faz a diferença. É isso que causa a grande divisão entre os que têm e os que não têm boas chances na vida. É preciso ensinar interação às famílias carentes; implantar um programa que possa transformar a capacidade social e emocional de toda a família.

O GLOBO: O senhor já constatou isso na prática, não?

HECKMAN: Sim. Criamos um programa de quatro anos (1961-1965), com um grupo de 123 crianças de idade pré-escolar numa cidade em Michigan. Cada classe tinha de 20 a 25 alunos, com 3 ou 4 anos de idade. As aulas eram diárias e duravam duas horas e meia. Ali as crianças eram estimuladas a interagir com as outras.

O GLOBO: Os pais delas participavam do programa?

HECKMAN: Dávamos apoio especialmente às mães, pois são elas que passam mais tempo com os filhos. As professoras visitavam as casas delas uma vez por semana e ficavam lá durante uma hora e meia, conversando, fazendo com que as mães se envolvessem no processo de educação dos filhos. As professoras também tinham o cuidado de ajudar em quaisquer outros problemas familiares.

O GLOBO: E os resultados?

HECKMAN: Eles comprovaram as nossas expectativas de que os cuidados intensos antes dos 3 anos de idade são essenciais para o bem-estar futuro de todos. Temos certeza disso porque, ao final daqueles quatro anos, cada família continuou tocando a vida por conta própria. Mas continuamos acompanhando o seu desenvolvimento, registrando o seu cotidiano. Aquelas crianças estão com 50 anos agora.

O GLOBO: Uma coisa é fazer uma experiência com um grupo pequeno; outra é implantar um programa que atinja famílias carentes em todo o país. Isso seria factível? Não seria muito caro um projeto desses?

HECKMAN: É claro que é possível implantar algo desse tipo em larga escala. E, sim, isso exige grandes investimentos. Mas eles dão um retorno fabuloso. A experiência mostrou que, para cada dólar aplicado, a sociedade ganhou nove. É preciso ter consciência de que a família tem um papel fundamental no bem-estar de uma sociedade. E, portanto, uma boa política de família acaba se tornando, na prática, uma boa política econômica.

O GLOBO: Pelo visto não bastaria apenas um plano específico na área da educação. Ele teria de envolver outros setores do governo, não?

HECKMAN: Trata-se, na verdade, de um programa integrado. Não pode haver boa educação sem que se cuide, ao mesmo tempo, da saúde. E não se pode bancar iniciativas nessas duas áreas sem uma boa política econômica. A questão central, que temos de fazer hoje, é a seguinte: qual é a maneira mais efetiva de se promover grandes realizações e reduzir a desigualdade? E a resposta é basicamente uma só, sejam quais forem as iniciativas a serem tomadas: é preciso educar no sentido completo, fundamental.

O GLOBO: Num país como o Brasil, em que os bolsões de pobreza ainda são grandes, a perspectiva de um grande número de famílias estar criando filhos para o fracasso parece se perpetuar, uma vez que os pais também são originários de famílias de educação baixa?

HECKMAN: Não necessariamente. É certo que um baixo índice de paternidade, ou seja, quando se tem pais que não tiveram uma educação adequada, a tendência é de que as gerações seguintes — salvo algum milagre — perpetuem esse ciclo. Por isso mesmo é preciso conscientizar a todos, e em especial aos governos, de que a atual noção de pobreza está mal definida.

O GLOBO: Como assim?

HECKMAN: Em geral se aceita o conceito de que pobreza é falta de renda. E, por isso, há governos que acham que dar mais dinheiro aos pobres resolve o problema. O essencial, a esta altura, é perceber a necessidade de se fazer mais do que isso: é preciso educar.

Um comentário:

  1. Gostaria de ressaltar dois pontos: Por que é focada a criminalidade nas classes pobres se hoje, principalmente, nos meios de comunicação constatamos casos de criminalidade que envolve as classes sociais de poderes aquisitivo maiores?
    Geralmente, falamos muito na presença dos pais na educação do (a) filho (a), porém enquanto Pedagoga constato nas escolas que, geralmente, as crianças não são criadas e educadas pelos pais biológicos (por diversos motivos: separação, morte, abandono, ...), é sim, por alguém que se responsabilizou pela criança. Como deveriam ser aplicada essa formação se existe essa carência de pais?

    Atenciosamente,
    Flaviana
    Natal/RN

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